quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Caminhos da Psicopatologia (uma gênese psicanalítica integrada a um prognóstico psiquiátrico...)

As vivências traumáticas ocorridas na primeira infância são em essência, inassimiláveis...
O aparelho bio-psíquico de uma criança é imaturo, quer seja no âmbito neurológico, emocional ou cognitivo. À criança falta autonomia para reagir às adversidades existenciais presentes em sua história pessoal. Agrava-se o quadro se a criança teve a infelicidade de ser gerada por pais perturbados, emocionalmente, além de uma já suspeita herança genética incorporada na sua morfologia neural. Os pais (já estereotipados) inseridos num casamento, incompatível entre eles, projetam no filho suas fantasias e “imagens idealizadas” cobrando, arbitrariamente, desta criança um conjunto de características pessoais que confirmem o MODELO (que cada genitor, individualmente, escolheu) esperado em suas idiossincrasias.
A criança, única em sua autenticidade, fica querendo corresponder à expectativa deles, os pais, sabotando a sua originalidade de ser e existir, a partir de seus próprios conteúdos...
A manipulação dos pais não cessa por vezes se acentua, morbidamente. Diante de tanta cobrança e ameaças, a criança fica desorientada e tenta sufocar as suas inclinações pessoais. Inicialmente, a criança quer corresponder ao desejo-da-mãe (seu primeiro amor...). Com a entrada do Pai (formando o triângulo amoroso) a criança percebe, intuitivamente, que a sua mãe também, está ligada (amorosamente) ao Pai. Intui que agradando o Pai, agradará à sua mãe.
Tudo bem. Faz parte. Com o tempo, a criança percebe que há uma “relação” entre sua mãe e seu pai, excludente dela própria... Neste momento, volta-se para si mesma, elegendo, também, a si própria como o OBJETO de seu Amor. Principia aí, o nascimento de sua AUTO-ESTIMA onde são edificados os primeiros tijolos de sua IDENTIDADE: Ela pode ESTAR / SER com seus pais, e pode ESTAR /SER, “em si mesma!”.
Admitamos que os pais desta criança extrapolem suas exigências chegando a surrá-la todas às vezes, em que ela exerce comportamentos contrários às suas expectativas. Este é um terreno (fértil) onde se criam (e desenvolvem) patologias psíquicas. A criança está impedida de prosseguir em sua autenticidade, dado à ameaça de punição e o implacável terrorismo psicológico (agressões à sua AUTO-ESTIMA... ainda em estágio primário) ao qual é submetida.
O pequeno Ser Humano não tem (e não pode, e não sabe) como se defender. A sua atuação de revolta tem que se manifestar em outros objetos que não os seus pais. Ex: fazer as necessidades fisiológicas nas calças, emitir gritos histéricos, chorar convulsivamente, ter comportamentos instáveis na escola, na relação com outras pessoas, etc. Obviamente, estas reações também, são inegavelmente, subprodutos emocionais resultantes da sua febril Ansiedade, decorrente dos maus-tratos e de seu território existencial castrador e opressor. A criança (mercê de seus pais...) é conduzida, inevitavelmente, a uma dicotomia: Como ser ela mesma, se seus pais querem que ela seja outra pessoa? É claro, que a criança não tem, ainda, um pensamento assim, dialético.
Ela apenas sente, intui. As ameaças de castigo (e a consumação do mesmo: “as vias de fato”) são muito reais para ela; experienciou os seus efeitos...
“Lutar ou fugir”, eis o paradoxo infantil, imediatamente, resolvido já que lutar em sua forma objetiva, não é possível para ela. Entrementes, a ocorrência de uma fuga, literalmente, “física” está descartada, a priori, visto que a criança não possui estratégias para consumá-la (limitação cognitiva, vulnerabilidade, etc). A sua mobilidade só pode atuar no plano psíquico... É no imaginário de sua MENTE que ela vai buscar um bálsamo, uma fuga “conceitual” de seus reveses existenciais. Mas, como INVENTAR mundos abstratos que possam preservar algum grau de positividade, se falta conteúdos psíquicos, formativamente, saudáveis, constitutivos, pró à sua originalidade essencial! Neste “campo minado”, há pouca fertilidade para se compor elementos psíquicos integradores... Como transcender à “experiência imediata” e promover o desenvolvimento progressivo de sua AUTO-ESTIMA?
Não se efetiva a AUTO-ESTIMA, endogenamente. A arquitetura afetiva se constrói nos vínculos interpessoais. O OUTRO é que “homologa” a minha AUTO-ESTIMA, legitimando-a com o seu AMOR, sua admiração, a sua aceitação pela minha pessoa-criança.
Dado à desconfiança que a criança desenvolve de si mesma (acho que eu não sou legal, já que meus pais, assim acham...) fica limitadíssimo o seu poder de manobra. O seu potencial refúgio (epistemologicamente, falando) está circunscrito, exatamente, na área em CONFLITO de sua geografia psíquica: a área dos AFETOS... Instala-se aí, um núcleo patógeno tipificando, empiricamente, um MASOQUISMO primário, essencial...
A criança elabora (agora, dialeticamente) uma LÓGICA (psicopatológica) que dá um SENTIDO à sua miséria psíquica: se meus pais me rejeitam... Eu não presto... Eu não sou bom... Com esta resolução interna, ficam justificados os castigos, as surras, a opressão... A castração... (...).
As posturas, os comportamentos, doravante, tendem à repetição, promovendo a mecanização e robotização dos afetos... A AUTO-ESTIMA ficou danificada.
E as novas vivências e experiências existenciais, “pós-primeira infância?”.
Então, elas não exercem uma inovação emocional, um upgrade dos conteúdos psíquicos?
Não há invenção dos futuros?
Suponha que você queira fazer uma piscina e coloque no volume líquido, 20% de água salgada e 80% de água doce. É possível alguém mergulhar nesta piscina, sem ser contaminado com um pouco de sal?
Retornando ao terreno dos AFETOS torna-se impossível mensurar, quantitativamente, e qualitativamente, a potência dos conteúdos psicopatológicos, vivenciados na primeira infância.
Não se pode medir, matematicamente, a influência deles no desenvolvimento da personalidade.
O que se pode e se verifica, é a constatação de seus efeitos e desdobramentos...
Suponhamos que numa situação experimental-psicoterápica, o adulto (DOENTE) regredisse aos primórdios de sua infância (emocionalmente, falando) e ao revivenciar seus “primeiros afetos”, mostrarmos a ele que as suas primeiras elaborações psíquicas não precisavam ser interiorizadas, necessariamente, daquela maneira... Radical, que havia outras opções... E mesmo que se explicasse a ele que não teve culpa que agiu com os elementos que dispunha na época, que ele não teve (ou não previu) alternativas --- e estendendo, dissermos, que ele foi vítima de seus pais assim como eles foram vítimas dos pais deles e assim, sucessivamente --- toda esta digressão, muda “o fato em si?”.
O que aconteceu foi, inexoravelmente, impresso na MENTE!
Causa certa estranheza, imaginar que se possam remover conteúdos psíquicos elaborados na primeira infância, isto é, num período em que a RAZÃO, ainda, estava embrionária e tudo obedecia a uma LÓGICA DOS SENTIDOS! Retirar, demover recalques psíquicos interiorizados, quase que num ato cirúrgico! E pra quê, se os conteúdos psíquicos primários não existem mais?
O que permaneceu foi o estabelecimento de um padrão estereotipado de reações e comportamentos, face às experiências vivenciais. A estereotipia da conduta e da personalidade deve-se aos SINTOMAS, adquiridos como metáfora biológica dos elementos psicopatológicos iniciais. Estes “mesmos elementos”, já não existem mais. Eles produziram na cartografia neural (altamente, susceptível à influência de impressões ambientais, vividas ou imaginadas, neste período da vida; a infância) um código (repetitivo), um ALGORITMO neural que desencadeia os SINTOMAS, e eles mesmos; os SINTOMAS, dado à sua natureza de excitabilidade neuronal, estimulam novas elaborações psíquicas, visto que a MENTE quer racionalizar estes “estados sensitivos alterados”, para aplacar a Angústia gerada com o desconforto e inquietude, advindo dos SINTOMAS. A psicopatologia inicial, primária, tem a sua gênese nas primeiras adversidades existenciais não-resolvidas da infância. De lá pra cá, houve um desdobramento geométrico das patologias como uma “tumoração”, em que o DISTÚRBIO-MOR, já não atua mais. Esta MATRIZ patógena, PRIMAL, “arrefeceu”, não antes de produzir SINTOMAS. Estes, por sua vez, replicaram novas psicopatologias e estas outras, são as excrescências das patologias que as antecederam...

O corpo organiza respostas, a partir de si mesmo, expressando comportamentos e prosseguindo produzindo experiência sensorial... A doença emocional traduz e representa uma economia dos afetos conflitantes originais.

Se exercermos uma observação clínica apurada poderá muito, facilmente, perceber que o sintoma ANSIEDADE precipita psicopatologias em grande número, e não há um ELEMENTO COGNITIVO comum a todas elas. O que há, sim, é uma referência singular, circunscrita ao terreno dos AFETOS e muito, primordialmente, à AUTO-ESTIMA.
Não esqueçamos que as vicissitudes existenciais, “iniciais e primárias”, é que inauguraram a PSICOPATOLOGIA. E esta, produziu-se... Na ausência e/ou na baixa AUTO-ESTIMA (como sempre). Por certo, há alguma pessoa, portadora de um (qualquer) distúrbio emocional que tenha “ALTA-ESTIMA?” Finalizando. Se os sintomas forem suprimidos (com uma ação farmacológica) e se mantiver a ausência de sua atuação, por um período determinado (que se pressupõe, LONGO) vale dizer, que serão interrompidas, “as elaborações psíquicas”, advindas do desconforto e inquietude, causados por eles. A MENTE, por sua vez, livre destes estímulos poderá então, operar, cognitivamente, diante dos fatos “empíricos” que se apresentarem em sua atual existência e perspectiva. Rompe-se assim, o antigo GATILHO bio-psíquico-neural, alimentado que fora, por “outros elementos psíquicos” (primais) que fundaram e mantêm a sua psicopatologia. Não havendo sintomas, os elementos psíquicos que produziram a etiologia batismal, a LÓGICA biológica (tributária da ecologia neurológica) perde substância, pontualidade, foco, finalidade, sustentação. Não haverá alimento, energia para a sua manutenção... A pseudo-homologação dada pelos SENTIDOS se desfaz. A IDÉIA essencial, o ARQUÉTIPO que mantinha acesa a fornalha (a idiossincrasia SINTOMÁTICA; seus efeitos excitantes ou depressivos) apaga-se...
Não tem mais o RELÉ... Doravante, o SENTIR será PENSADO por uma MENTE produtora de conteúdos psíquicos INÉDITOS, reflexivos de uma realidade PRESENTE, factual. Este é o mote da Psiquiatria... A antropologia psicopatológica se mantém atuante, enquanto perdurarem os SINTOMAS que a autorizam e sustentam-na, e estes por sua natureza, “adubam” o solo psíquico, gerando “outras” psicopatologias com os seus desdobramentos congruentes. Resta a pergunta:
Não haverá mais SINTOMAS? Claro que sim, enquanto vivermos numa sociedade DOENTE, não estaremos livres deles. A MENTE tem que reagir a frustrações, desenganos... À insalubridade do social... Às relações conflituosas. Contudo, os SINTOMAS são vitais, fisiológicos, garantem a homoestasia. A questão que se apresenta, é como manter os sintomas numa intensidade e freqüência tolerável. O que já vimos, é a necessidade fundamental da ruptura e/ou redução da intensidade dos sintomas atrelados a psicopatologias (“antigas”) no curso de nosso desenvolvimento emocional. Rompendo a interface somática, promovemos o esvaziamento energético e a inanição neuronal dos remotos conteúdos psíquicos que se originaram da nossa psicopatologia infantil. Precisamos estabelecer causa X efeito de SINTOMAS na cena existencial PRESENTE. No aqui e agora. Presentificando os SINTOMAS, saberemos lidar com os nossos atuais conteúdos mentais conflitantes com alguma inteligibilidade sem estarmos, necessariamente, DOENTES. Sem sofrimento demasiado, e sem o ÔNUS do Passado...
Somente ação X reação (sintomática) compatível e proporcional em causa
X efeito.                                                                                    
                           Reinaldo Müller










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